terça-feira, 27 de julho de 2010

Coroas de Eternia - O Escudo, A Espada e O Cetro

Terceiro Escrito – Dois encontros

Completava-se, naquele instante, a terceira hora desde que Estel resolvera ficar. A estrada da floresta (qual era mesmo o nome?) que se seguia depois do templo era simples, bem larga e plana, ótima para se dar uma primeira caminhada em Eternia, afinal, o garoto facilmente teria tropeçado numa pedra ou caído num buraco tal era sua atenção para onde os pés o levavam.

Ele olhava com muita atenção tudo de novo que encontrava além das bordas da estrada, coisa que não era rara de acontecer. Algumas árvores eram parecidas com a de seu mundo, já outras possuíam cores e formas inusitadas para troncos, flores, folhas e raízes. Porém, mesmo com a distração da vegetação, Estel percebeu algo estranho. Parecia não haver animais ali. Nenhum pássaro, nem mesmo o canto deles; nenhum inseto, nem um zumbido ao longe; nenhum movimento a não ser o do vento. O lugar parecia estar vazio.

Com o passar do tempo esse pensamento e a sensação de deslumbramento começaram a ficar distantes, pois a fome e a sede predominaram. E Estel não tinha a mínima idéia de onde procurar água ou saber o que era comestível ou não ali. Decidiu sentar, pelo menos, embaixo de uma das árvores da beira da estrada; o calor estava tão forte que o garoto sentiu-se sonolento, os olhos estavam pesando muito.

Então o chão tremeu.

Estel levantou-se num pulo. Parecia que alguma coisa muito grande havia caído no chão, próximo onde ele estava. Um grito fino e ensurdecedor ecoou poucos segundo após o tremor. O garoto gelou. Seu instinto lhe pediu para segurar o escudo diante de si; não sabia lutar, mas a arma devia ter que servir para alguma coisa. O som agonizante chegou de novo, era como o de alguém sendo queimado vivo. Estel não podia ficar mais ali, o que quer que fosse, estava chegando cada vez mais perto. Não era bom, ele sabia.

Começou a correr. Ansiava que o lugar que Perseu falara não estivesse muito longe. Estel pulou para frente ao ouvir o barulho da árvore em que sentara instantes atrás cair despedaçada ao meio. A causa disso fez o estômago do jovem revirar. Era uma mulher-aranha ou aranha-mulher, não saberia dizer, mas o fato de ela ser duas vezes maior que ele já era assustador o suficiente. O abdômen era de aranha, enorme, redondo com oito patas e coberto de pêlos amarelados; mas no lugar da cabeça de aracnídeo estava a cabeça e os braços de uma mulher. Os oito olhos de aranha estavam arregalados, colocado em um rosto muito magro e encovado, sem nariz ou orelhas, encimado por uma moita limosa de cabelos escuros. Ela olhava doentia para Estel, a boca escancarada, salivando alguma coisa amarelada, que mostrava quelíceras inquietas.

Estel não parou para observar mais e voltou a correr. O monstro gritou ao ver sua presa fugir e, aos pulos, iniciou a perseguição. Estel sentia o ar rasgar seus pulmões, as pernas já formigavam de dor tal o esforço que fazia em se manter correndo. Contudo para a aranha aquilo não era nada e num de seus pulos colocou-se na frente do garoto. Atacou-o com sua mão cheia de garras finas e pretas. Por puro reflexo, Estel ergueu o escudo. Houve outro grito fino e agoniado.

— Putz!! — exclamou Estel, vendo o que acontecera, tirando a cabeça detrás do escudo.

A aranha segurava o toco escuro em que se transformara seu braço. O garoto olhou para a arma, nenhum arranhão a maculava. Ele sentiu e ouviu as garras atingirem o metal, mas ao que parecia, o monstro é que se ferira ao tocar no escudo.

A aranha ficou ensandecida e com duas de suas enormes patas peludas empurrou Estel, que voou e bateu na árvore mais próxima. Houve um “crec” muito feio. Caindo no chão, Estel descobriu que o barulho fora o de seu braço direito. A dor o fez ver estrelas. Tudo estava embaçando, mas ele viu quando uma mancha escura com várias pernas se aproximou. Um cheiro de ovo podre vindo da boca da aranha só piorou a tontura, estava prestes a desmaiar. Num último esforço, manteve o escudo erguido. Droga, por que Perseu não avisou que ali era perigoso?! Que ele podia encontrar uma coisa daquelas?!!

Antes de perder a consciência, Estel podia jurar que o guincho de satisfação do bicho soara muito dolorido e que ele de repente pendera para um dos lados. Junto a isso, uma voz humana.




Estel foi lentamente recobrando a consciência, enquanto um calor morno percorria seu corpo. Estava com um baita dor de cabeça, mas era melhor aquilo do que morto. Era noite. Viu-se deitado numa esteira de palha debaixo de um cobertor escuro, seu braço direito estava enfaixado e seguro numa tipóia improvisada. Sentou-se e diante si ardia uma fogueira onde uma pequena panela borbulhava cheirosa e espetos com pães assavam.

— Finalmente acordou. Sente-se melhor?

A voz veio de alguém que estava do outro lado da fogueira do pequeno acampamento, sentado sob uma árvore. Ele levantou-se e sem nenhuma timidez aproximou-se, colocando a mão na testa de Estel.

— Ótimo sinal, não está com febre. — disse. — Quer dizer que não foi picado. Se tivesse sido, eu não poderia fazer muito.

Estel ficou emudecido por alguns segundos, a desordem das coisas ainda embaçava a sua mente. Além, também, da pessoa a sua frente. Uma garota, que parecia ter sua idade, muito bonita por sinal. Os olhos oblíquos cor - de – mel davam a impressão de estarem sempre com raiva ou muito sérios, os cabelos eram de um vermelho vivíssimo presos num rabo - de - cavalo cheio de fitas de couro. Ela se vestia de verde-escuro, um peitoral e sandálias com joelheiras feitas de couro também, braceletes de metal que reluziam à luz do fogo, e preso a sua cintura um cinto com uma espada embainhada. Contudo todo esse aparato exibia marcas de muito uso e o rosto da garota um cansaço profundo.

— Estou sim... — respondeu Estel, finalmente saindo do mutismo e entendendo tudo. A voz que ouvira, fora a dela. —E obrigado por me ajudar.

— Você teve sorte, muita sorte. Trincou o braço direito, mas nada muito grave. — continuou ela, a voz séria como o olhar. —Ainda poderá manejar o escudo.

— Ah, é mesmo, o escudo! Onde ele tá?!

— Encostado na árvore. Está com fome?

— É...muito. Faminto!

Estel não conseguiu segurar sua sinceridade ante a possibilidade de comer. A garota nada demonstrou a sua resposta tão veemente, apenas levantou-se e encheu uma cuia de madeira polida com o caldo grosso da panela. Entregou-o a Estel com dois dos pães que assavam. O garoto ficou dois segundos inseguro para comer aquilo, o cheiro estava tão bom e seu estômago doendo tanto que não havia espaço para desconfiança.

— Foi você, não foi? — indagou Estel, engolindo um pedaço grande demais de pão. Queria puxar assunto, a outra não precisava ficar assistindo ao devorar desesperado dele. —Que atacou aquele bicho.

— Sim. Estava na estrada também, de volta para meu reino, quando ouvi os guinchos daquela aracnéia. — respondeu a outra.

— Ara...o que?!

— Aracnèia. Não sabia que bicho era aquele? Nunca viu uma? A floresta está cheia delas, por isso os animais desapareceram. Elas estão ficando cada vez mais violentas...e famintas, atacando em plena luz do dia e sem nenhum cuidado. Você...não sabia disso, sabia?

— Err...não.

— Se não sabia, porque estava andando armado? Você não é um defensor?

— Hã?!

— Você não está entendo nada do que eu falo, não é?

— Err...não.

A garota sentou diante da fogueira e concentrou seus olhos no fogo. Estel estava mais perdido que nunca, não sabia o que falar. Então ela voltou a falar:

— Qual o seu nome?

— Estel....Elecktrion. — respondeu Estel, devolvendo o olhar intrigado que ela lhe dava.

— Solenni Apollux. Diga-me, você sabe onde está e por que está?

— Bem...estou em Eternia, não?! Agora por que...o Perseu só me explicou isso muito por cima, no fim das contas pediu para eu seguir o escudo. E ele quase me matou...

— Você fala de Perseu, o Primeiro Vigilante?! Onde encontrou com ele? No templo que há mais para trás? Qual o nome do Templo?

— Sim, sim! Ah! O nome?! Acho que é alguma coisa com “vés”...é Vésper. Mas por que todo esse interrogatório?!

— Quero ter certeza de que não estou cuidando de um enganador.

— Enganador?!

— Você veio de onde?

— Da Terra... falando assim parece que eu sou um e.t! É o meu mundo, a Terra. Pode me explicar direito isso?!

— Estel, toda pessoa do meu mundo, Eternia, sabe de uma profecia dita pelo Sábio-Rei

— Sim, o Perseu falou disso. Uma coisa com lua, sol, estrela (apontou para o escudo) e coroas. Muito estranho.

— Ele falou também que na profecia há um aviso sobre uma pessoa de “outro mundo”?

— Errr....isso não.

— Por isso estou com o pé atrás. Ultimamente muitas coisas ruins vêm acontecendo em Eternia. Desastres naturais, monstros brotando do nada como a aracnéia que você viu hoje, e outras coisas piores. Infelizmente existem pessoas que estão se aproveitando disso. Vendo essa “brecha” na profecia que todos esperam que se realize, essas pessoas se proclamam heróis de outro mundo e ganham o direito de fazer o que bem entendem. Eu fui uma das pessoas a ser enganada.

—...o que aconteceu...o que fizeram com você?

— Encontrei um viajante da estrada, exatamente como encontrei você. Ele carregava a insígnia da lua. Ele se dizia perdido, que monstros o haviam atacado. Eu cuidei dele, assim como cuidei de você. Mas ao invés de um “obrigado”, ele tentou me roubar e violentar.

— Mas que filho de uma puta!! Oh! Foi mal...sim, mas e aí? Você conseguiu escapar como?

— Decepei a mão dele. É assim que tratamos ladrões em meu reino.

Estel engoliu seco, agora entendia porque a outra não desgrudava a mão da espada. Mas ficou admirado. Em histórias fantásticas é muito raro ver esse tipo de coisa acontecer, todo mundo está empenhado demais em tentar salvar o mundo ou destruí-lo por inteiro; roubar e violentar pessoas parecia algo tão baixo, tão medíocre. De repente, Eternia ficou parecida com a Terra naquele ponto. Naquele péssimo ponto, por sinal...

— Mas...Solenni...o que a fez acreditar em mim? — indagou Estel, sincero.

— Foi a sua inocência, principalmente. — revelou ela, sem dar a Estel ar de bobo. — Você, mesmo um pouco desconfiado, respondeu tudo que perguntei e até comeu sem pensar que eu poderia tentar envenenar você. Estel, muita gente faria qualquer coisa, digo qualquer coisa mesmo, para ter seu escudo e tirar toda a vantagem que conseguisse com ele enquanto o mundo explode. Além, também, do seu desconhecimento das coisas de Eternia e do manejo com a arma. Os eternianos sabem que um dos três Regidos viria de outro mundo, mas não especificamente qual. O homem que me enganou dizia ser o escolhido do Cetro, e ele realmente tinha muitas marcas que o taxavam como tal. Mas ele falhou na hora que manejou perfeitamente o Cetro.

—Por quê? Não era para ele saber?

— Não, pois essas armas são diferentes de todas as outras. Contem forças especificas que nenhum outro eterniano já usou, então acredito que ninguém saiba de imediato lutar perfeitamente com elas. O homem me disse que fazia poucos dias que havia chegado em Eternia. Fora que há outras possibilidades: o mundo da pessoa estrangeira não estar em guerra, ou se estivesse, ela saber manejar outro tipo de arma, e assim por diante. Como é no seu mundo?

— Bem...às vezes nos temos guerras sim, mas não se usam essas armas. Não existem coisas mágicas por lá. Existem sim, escudos, espadas e tal, mas é peça antiga, coisa de museu.

— Mas há um detalhe, eu ainda não acreditei totalmente em você.
— Então porque me ajudou?
— Porque de onde eu venho me ensinaram a ser assim, mesmo com um total estranho. “Ame a vida tanto quanto ame a batalha; pois sem vida, não há porque nem como travar batalhas, e sem batalhas, não se vive a vida.”, é isso que dizem os mais velhos. “Quando encontrar alguém que necessita de você, não hesite, dê a ele a chance de continuar batalhando pela vida. Mas, atente, se ela não der valor ao seu auxílio, ela está dando o direito de você repreendê-la.”

Estel ficou em silêncio. A voz de Solenni era baixa, mas não desprovida de firmeza. Ela tinha os olhos distantes, como estivesse lembrando-se de alguém. O garoto quebrou o silêncio contando a ela tudo o que acontecera desde que ele chegou a Eternia, tentou extrair de sua memória o que Perseu lhe contara até a parte em que o monstro aparecia.

— Por que me contou isso? — indagou Solenni, séria.

— Eu precisava retribuir o que você fez por mim, não é assim que se faz de onde você vem? Espero que isso me livre de ter a mão cortada. — respondeu o outro, meio inseguro. — É só o que eu posso fazer, contar a verdade.

Solenni perdeu-se novamente em pensamentos, deixando Estel na expectativa. Quando ele pensou mais uma vez em quebrar o mutismo, ela o fez primeiro:

— Para onde estava indo, Estel?

— Como foi que Perseu disse...Es...Espártaca, é acho que é isso. — disse o garoto. — Essa estrada leva para lá, não é?

— Quer ficar na casa do meu avô?

— Hã?!!

— Você tem lugar para ficar?

— Não...

— Sabe quanto tempo precisará ficar em Eternia?

— Não...

— Como acha que vai sobreviver sem, pelo menos, saber manejar uma arma ou usar um equipamento?

— Errr...tá entendi. Eu aceito. Mas seu avô vai aceitar numa boa você levar um estranho?

— Sim. Primeiro, porque ele sabe que eu não levaria qualquer um para o auxílio dele. Segundo, se ele vir motivos para ajudar você, ou não, você vai saber.

— Obrigado... (Estel não se sentiu muito seguro com a última frase de Solenni)

— É melhor você dormir, quanto menos esforço fizer melhor. Eu ficarei de vigia.

— Tem certeza de que não vai descansar também?

— Farei isso na casa do meu avô. Afinal de contas, é melhor que as aracnéias peguem a mim de “surpresa” do que a você.

Estel entendeu a resposta, mas sentiu-se um pouco ofendido. Ela não precisava passar na cara que ele era um completo inútil, só queria ajudar. Respondeu um sonolento “boa noite” e virou-se. Contudo, quase que levantou de novo num pulo, notando algo da conversa. Em nenhum momento Solenni perguntara sobre seus olhos. Isso parecia besteira, considerando que as preocupações dela eram tão sérias, mas para Estel não. Era praxe, quando conhecia alguém (e esse alguém tendo coragem de chegar perto dele), este sempre perguntava sobre os olhos, dizia como eram estranhos. Sua incredulidade quanto àquele fato foi tanta, que se viu perguntando para Solenni:

— Solenni...err...você achou...bem, meus olhos estranhos?

— Sim, achei, sendo sincera. Nunca vi olhos iguais aos seus, amarelos e que brilham no escuro, como os de um gato. Eu pensei que fosse comum no seu mundo... Mas já vi coisa muito pior que isso, Estel. E para ser mais sincera ainda, se seu caráter não for estranho, seus olhos pouco me importam. Por que a pergunta?

— Errr...nada, nada não. Curiosidade.

Estel disse mais um boa noite e virou-se, como se o que ouvira fosse um comentário sobre o tempo. A resposta fora dura, entretanto isso não o deixou chateado, pois veio de alguém que parecia já ter se enganado pelas aparências uma vez e sofrido com isso. Ela fora sincera: achava estranho, mas contanto que ele mesmo não fosse estranho, tudo bem. Estel sentiu uma gratidão reconfortante por Solenni. E com esse pensamento, adormeceu.

. . .

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Coroas de Eternia - O Escudo, A Espada e O Cetro

Segundo Escrito - Que vira realidade

Finalmente Estel pode aproveitar alguma coisa naquele dia: o sinal de saída. Pegou suas coisas e foi embora o mais rápido que conseguiu, sem falar com ninguém. Tão desgostoso que estava de tudo, nem notou alguns alunos que gritavam: “Lá vai o bichano epiléptico!”.

Na rua, andava de boné e com a cabeça o mais abaixada que o pescoço permitia e, para seu alívio e espanto, desviava de qualquer coisa que aparecia na frente. Estel morava num prédio não muito longe do colégio. Chegou ao apartamento, jogando a mochila no sofá, e foi procurar a mãe.
Àquela hora a mesa já estaria arrumada para os dois almoçarem, em seguida a mãe ia para o trabalho e ele para a pia lavar a louça. Só que, ao contrário disso, Estel encontrou o lugar vazio. Na cozinha achou uma pista: um bilhete na geladeira. “Estel, a mamãe saiu mais cedo. Vai resolver alguns assuntos urgentes. Há uma quentinha no fogão e dinheiro para você comprar algum lanche. Beijos.” – era o que dizia o recado.

O garoto estranhou...primeiro, porque a mãe sempre explicava para onde ia e dava alguma idéia de quando voltaria; segundo, desde quando ela tinha “assuntos urgentes”?!

Ouviu o ronco do estômago e deixou as dúvidas de lado.



Às três horas de uma tarde incrivelmente entediante, Estel resolveu dar-se um prêmio por estar agüentando com mais ânimo que o normal aquele dia nada motivador. Normalmente passava a tarde dormindo, acordando na hora em que mãe chegava para jantarem. Contudo, hoje, por algum motivo, ele não estava conseguindo dormir. Ficou prostrado no sofá vendo nada de interessante na televisão. Cansado disso, pegou o dinheiro que a mãe deixara e foi ter seu merecido prêmio, na verdade, lanche.

Há alguns quarteirões do prédio de Estel havia uma enorme padaria. O dono dela chamava-se Luciano e ele, um homem grande desde a barriga até o bigode, havia ajudado muito a mãe de Estel anos atrás, quando ela chegou à cidade. Ajudado tanto que o que cara acabou se apegando demais à mãe para Estel. Ele ajudou? Ótimo, obrigado, mas isso não quer dizer que ela (nem ele) tenha que agüentar o dono da padaria a cercando o tempo todo, fazendo galanteios, alguns até bastante indiscretos.

Tirando isso, o lugar fazia sonhos que Estel não conseguia passar muito tempo sem comer.

— Boa tarde, meu filho!Ah! ah! Nem precisa dizer! — falou Luciano, ao ver Estel entrar. — Dois sonhos e achocolatado gelado, sim? À propósito, como vai sua mãe?

—Bem, obrigado. E sim, é isso mesmo que eu quero. — respondeu o outro, sem muito entusiasmo. Sabia que a gentileza era só por causa da mãe. Luciano também fazia careta quando o encarava nos olhos. — Taqui o dinheiro.

Quando Estel colocou o braço sobre o balcão, Luciano agarrou-lhe o pulso e o puxou para bem perto de seu rosto cheio de pêlos. Estel torceu o nariz, o homem cheirava a suor, gordura e perfume barato.

— Garoto, garoto! Tenho uma proposta para lhe fazer. — disse o homem, sussurrando para um Estel imobilizado. — E se você aceitar, vai ter um monte de vantagens.

— Do que diabos você tá falando?! — exclamou o garoto, incomodado com a posição que estava, não se preocupando em sussurrar.

— Ora, rapaz, você sabe muito bem o que eu quero!

— Ouse dizer o que é!!

—Acalme-se, veja as vantagens! Você sabe que eu tenho muito dinheiro, posso muito bem dar um jeito em você, digo no sentido de ajeitar esses seus olhos horrorosos e acabar com suas paranóias! Eu só quero que me ajude a ter a sua mãe! No bom sentido claro!

Luciano deu um sorriso que para Estel nunca significaria “bom sentido”. Estel passou da tensão imóvel, para a incredibilidade pasma e finalmente para a indignação plena em três segundos.

— OLHA LÁ COMO FALA DA MINHA MÃE, SEU FILHO DA PUTA! — gritou ele, indignado, mesmo na frente de várias pessoas. — VOCÊ NUNCA VAI “TER” A MINHA MÃE! VÁ A MERDA!

Jogou um dos sonhos na cara de Luciano e saiu desembestado do lugar. As pessoas começaram a murmurar e Estel passou pelas portas da padaria ouvindo Luciano dizer: “Calma, gente, calma, ele não é normal, não bate bem da cabeça, coitado.” Seus pés, guiados pela raiva, o levaram a esmo. Então, sem saber por que, estancou numa esquina. Erguendo a cabeça, deparou com uma cena que fez seu estômago descer para os tornozelos.

Eduardo e Bianca beijando-se.

Seu primeiro instinto foi sair do campo de visão deles.

— O que foi, Edu? Desde que chegamos aqui você não está com a cara muito boa. — perguntou a garota.

— Eu não estou me sentido bem mesmo, Bia... — respondeu o outro, passando a mão pelos cabelos. — Estava pensando no Estel...sei lá, a gente não foi muito legal com ele hoje.

—É, eu sei. Mas eu não sabia que ia deixá-lo tão chateado. Só queria que ele se cuidasse.

— Mas esse é o problema, Estel acha que apesar de tudo que tem, ele é normal.

— É...e não quer admitir que precisa de tratamento. Quer simplesmente ignorar.

— Mas, não é só isso que me incomoda...também tem o fato da gente estar namorando a dois meses e não ter falado pra ele.

— A mim também, Edu, mas qual seria a reação dele?

—Ah, quanto a isso não precisa ficar preocupada, Bia. — respondeu Estel, saindo do lugar onde estivera escondido. — Eu só iria dizer que quero que tudo certo entre vocês dois. Não vou bater em ninguém, não vou dar chilique, arrancar cabelo ou começar a babar no meio da rua. Agora, eu só acho que vocês podiam ter me avisado antes, assim eu teria economizado o tempo em que passei conversando com o Eduardo sobre você, ou imaginando como falar com você, achando que vocês dois eram muito corajosos por estarem andando com um cara “que precisa de tratamento”. Mas eu já sei o que vou fazer...vou arrancar meu olhos e me trancafiar num sanatório como disse o Caio, até eu ficar “normal” o suficiente para vocês.

O garoto deu meia volta e foi embora. Bianca fez menção de ir atrás, mas Eduardo a segurou, não adiantava mais.

Estel espantou-se com a frieza que fizera aquele discurso. Mas tal frieza escondia toda sua revolta e frustração. Era sempre assim...não importava o esforço que ele fizesse, ninguém o olhava como normal. Porém dessa vez fora um pouco demais...ninguém fingia por três anos ser amigo...ou fingia, como acabava de acontecer. Ele não merecia passar por aquilo! Por que diabos faziam isso?! Estel estava tão perdido que começou a questionar se era normal mesmo...

—AI!!

Um tropeção trouxe Estel de volta à realidade. Olhou xingando para onde havia batido o pé e se assustou. Estava afundado no concreto sólido até o tornozelo. Como aquilo aconteceu?!! Depois, da área do tornozelo, pequenas ondas amoleceram o chão fazendo-o parecer água, formando um círculo perfeito ao redor de Estel, que começou a afundar. O garoto se desesperou. Ele estava afundando no chão!! Não podia ser mais um sonho seu, a sensação de sugamento era real! Olhou ao redor. Estava numa praça cheia de árvores, perto de casa. Gritou por ajuda, ninguém respondeu. Mas que porcaria! Àquela hora a praça comumente estava cheia, então cadê o povo?!! Quando se deu conta, afundara até o peito. Agarrou-se ao pé de um banco próximo, só para ganhar arranhões na mão. Afundou de vez.

Passaram-se dez segundo de uma sensação fria e molhada, em seguida Estel foi cuspido violentamente e caiu no chão. Recuperou-se da queda e se deu conta de onde estava.

Assustou-se pela segunda vez.

O garoto se viu numa sala enorme de teto alto e plano, o qual exibia desenhos em baixo relevo de uma estrela gigante de cinco pontas agudas e cavaleiros com escudos tão grandes quanto eles mesmos. Abaixando a cabeça, viu-se diante de um círculo de pedra com a mesma estrela do teto, só que cercada de riscos simbolizando luz e letras estranhas. Pelo lugar onde estava sentado, parecia que o círculo era que o havia cuspido, mas apesar da sensação molhada de antes, estava completamente seco. Nas paredes estavam penduradas compridas cortinas verdes com bordados dourados e luminárias exóticas, pois sua luz vinha de cristais brancos que flutuavam.

— O que achou do templo?

Estel virou-se num pulo. Este foi seu terceiro susto. Um homem falara com ele, alto e forte, de cabelos curtos e castanhos, olhos de um azul profundo, vestido com uma armadura verde-oliva e roupas brancas, que no peito exibia a estrela do teto em menor escala e em ouro. Ate aí o susto não tinha motivo de ser “tão grande”, mas as grandes asas castanhas de falcão que brotavam das costas desse homem fizeram o queixo de Estel cair.

— Perdão por ter aparecido assim de repente. — disse o homem, de fala polida e firme. — Você nunca tinha visto um homem com asas, não é mesmo?

Estel só conseguiu mover a cabeça de um lado para outro.

— Então, não deseja perguntar nada? — continuou o outro.

— Errr...eu...o que...hã...o que aconteceu? — foi o que saiu da boca de Estel.

— Você está em Eternia.

— Hãã?!!

— Foi isso que você ouviu. Eternia. Por favor, olhe lá fora e você começará a entender.
Estel levantou-se devagar, tenso, sem entender a sugestão do estranho. Contudo, seguiu-a. Com passos vacilantes chegou às portas gigantes do lugar. Mas quem ligava para portas gigantes que pesavam como pena ao se abrir, se o que estava atrás delas, era sensacionalmente mais fantástico?!

Uma floresta esmeralda de um lado onde o que parecia uma cidade antiga estava no meio, uma planície verde-claro do outro, montanhas avermelhadas mais atrás, morros de pedra, um lago enorme bem distante. Um mundo inteiro se estendia a frente de Estel, na verdade parte, pois o garoto via o céu arredondar-se no horizonte. Descobriu que estava num lugar bem alto, visto o alcance de sua visão.

— Não sei se comecei a entender, mas a paisagem é muito bonita. — disse Estel, voltando para o interior do salão, confuso. — Por que eu vim parar aqui?!

—Agora vem a parte mais complicada, vou ter de explicar muita coisa em pouco tempo. — anunciou o cavaleiro. — Primeiro, vou me apresentar. Perseu, o Primeiro Vigilante. Bem, Estel, você foi trazido para cá porque precisamos de você.

—O quê?! Como assim?!

— Este lugar aonde você chegou é o Templo do Escudo Vésper. Ele contém uma das três forças que protegem Eternia e você foi o escolhido do mestre para manejá-la.

— Isso é sério, é?! Parece um filme que eu vi semana passada, cê tá de brincadeira... Não...pela sua cara você não está de brincadeira.

— Você vai compreender essas informações aos poucos. Vou lhe contar um mero resumo, pois há pressa. Eternia é regida por uma força chamada Mazda, a Coroa Branca. É ela quem regula a vida neste mundo. Ela é guardada pelo meu mestre, o Sábio-Rei, também chamado de o Vigilante Altíssimo. Há muito tempo atrás o Mestre enfrentou um terrível inimigo que quase dizimou esta terra: Apóphis, a Coroa Negra. Após muito lutar, afastamos a criatura e suas crias de Eternia.

— O que você quis dizer com “afastamos”? Vocês não derrotaram?

— Não. Prova disso são os horrores que voltaram a nos afligir. A paisagem que você viu é muito bela, realmente, contudo em outros lugares já não é mais assim.

— E por que vocês não vão lutar de novo contra ela?

— Porque dessa vez o Sábio-Rei sabe de um modo de bani-la para sempre. Recebeu da Coroa Branca uma profecia que fala sobre isso, do banimento da Coroa Negra.

— Espera...profecia?! Eu ouvi essa palavra...no meu sonho... !! Quer dizer, esquece o que eu disse! Foi só um sonho maluco...

— Não foi um sonho, ou sonhos malucos, foi uma mensagem do mestre. Estel, eu sei que desde muito tempo você sonha “coisas estranhas”, o mestre me falou. Porém, na verdade, ele estava tentando se comunicar com você, prepará-lo para o dia em que seria chamado para Eternia, mas você é de outro mundo o que torna tudo mais difícil. Ele lhe contou do que se tratava a profecia?

— Não. Ele falou de uma estrela, de um encontro e me chamou de um nome estranho...é...

Ŝirmilo þildo?

— Isso!

— A profecia fala de todas essas coisas que ele citou. Pouco tempo depois de a primeira guerra haver terminado, o mestre revelou as palavras da Coroa Branca. Ele disse: “Três jóias para a coroa de um novo rei. A Estrela , O Sol e A Lua. Três armas para a defesa de um novo rei: O Escudo, A Espada e O Cetro. Três regidos para a guia de um novo rei: O Guardião, A Dama e O Mestre. Abençoados sejam os que carregam em si as faces da Coroa Branca! E abençoado seja o novo rei, pois ele será coroado e a coroa ele quebrará.” Em resumo, foi isso.

—Eu me lembro de ter visto um estrela no sonho...

—Isso porque você é o Ŝirmilo þildo, que na língua da Coroa Branca quer dizer Guardião do Escudo. A estrela significa que sua arma, O Escudo, tem a força da estrela de Eternia, a Estrela Vésper.

— E os outros?

Glavo damo, ou Dama da Espada; em sua arma está a energia de Hórus, um nome que um povo antigo dava para o sol. Sceptro mastro, ou Mestre do Cetro; neste, está à magia dos cinco dragões-totem de Eternia, incluindo Fafnir, o que dizem ter nascido da lua.

— E esse “novo rei”?

— O novo rei é o escolhido que ficará no lugar do mestre. Ele carrega em si a própria Coroa Branca. Na profecia diz que os Regidos, você e os que carregarem A Espada e O Cetro, viajarão para encontrar-se com ele e o guiarão para que seus poderes sejam finalmente abertos. Será ele quem derrotará a Coroa Negra e se tornará o novo Sábio-Rei. Chamamos a ele de Abençoado.

— Mas porque outro Sábio-Rei?

— Isso nosso mestre disse que a Coroa Branca ainda não revelou.

—...

— O importante agora é que a profecia comece a se desenrolar. O resto das respostas virá no caminho.

— Certo...certo...acredito em você. Nossa...isso é muito estranho...loucura. Mas, porque eu?! Eu não sei nada sobre esse lugar, não sei lutar, nem...sei lá...soltar magia, esse tipo de coisa. A única coisa de “diferente” que eu tenho são esses olhos bizarros.

— Essa pergunta Estel, eu também não posso responder.

Alguns segundos de silêncio passaram e o garoto não pode deixar de notar a expressão triste de Perseu, com os olhos distantes. Porém antes que Estel pudesse perguntar o porquê dela, o homem voltou a falar:

— Estel, você é um dos escolhidos, mas o Sábio-Rei deixou bem claro que nós não poderíamos forçar nenhum de vocês a entrar nesta guerra. Isso é uma responsabilidade muito pesada, até mesmo para um guerreiro experiente. Portanto, se for de sua vontade voltar para o seu mundo, sinta-se livre para o fazer.

Estel ouviu com toda a atenção as últimas palavras de Perseu. Aquela era uma decisão crucial e ele não teria muito tempo para pensar nela. Contudo, de certa forma, já sabia a resposta. O que o esperava no seu mundo?...A mãe. Tirando todos aqueles inconvenientes, havia a sua mãe. Se àquela hora já estivesse em casa, estaria preocupada. Será que não era melhor voltar? Pode ser que sim, mas não era isso que ele queria fazer. Apesar de Perseu ter deixado bem claro que sua vida estava em risco e que a de um mundo inteiro (e completamente desconhecido) estaria em suas costas a partir do momento que dissesse sim, era isso que ele queria fazer. Na verdade, mesmo, ele não queria voltar. Pediu mil vezes desculpas a mãe mentalmente.

— Eu...eu vou ficar. — respondeu Estel, sentindo uma pedra bater no fundo do estômago. — Mas eu nem sei por onde começar, e nem sei de nada daqui.

— Acalme-se, tudo ao seu tempo. — respondeu o cavaleiro. — Acha mesmo que cobraria de você compreender e aprender tudo, assim que dissesse sim? Para começar, pegue seu escudo. Vá até o círculo de pedra pelo qual você chegou e coloque seu braço esquerdo dentro dele.

— Hãã?! Colocar meu braço “dentro”?!

— Sim, exatamente como falei.

Estel seguiu a outra sugestão de Perseu, mas sem acreditar muito de novo. Chegou à frente do círculo e aproximou devagar sua mão esquerda. E se não acontecesse nada? E se sua mão simplesmente encostasse o concreto, como era o mais normal a se esperar? Contudo o esperado não foi o ocorrido. Estel observou que à medida que sua mão ia chegando perto da pedra, ela começou a ondular como água; e seus dedos afundaram quando pressionaram a superfície. Enfiou todo o antebraço esquerdo, sentindo imediatamente alguma coisa muito leve encaixar-se nele. Por puro reflexo, Estel retirou-o. E por puro reflexo, admirou-se.

Um escudo foi o que apareceu. Era circular e seu tamanho era o suficiente para cobrir a cabeça e parte do tronco de Estel. Fixava-se no antebraço por dois semi-aros de metal com travas. Possuía bordas grossas de metal prateado, seu interior era verde-escuro fosco, no centro uma grande estrela dourada como a do teto.

— Esse é o primeiro passo. — disse o Vigilante. — Sua arma, Estel, o Escudo Vésper.

— Uau...!! — foi o que saiu da boca de Estel. Mas ele pensou um pouco além, olhando para o teto.

— Mas...Persou, ele não está muito simples comparando com aqueles do alto, não?

— Claro que está. Mas teve de ficar condizente com a força atual daquele que o carrega (Estel percebeu que pensou demais). Precisa ir devagar, você mesmo disse que não sabe lutar. O Escudo se adaptou a você e continuará a fazer isso. Quando ficar mais forte, ele também ficará. Contudo, não só com a aprendizagem, ele precisa das chaves para que seu poder seja plenamente liberado.

— E que chaves são essas?

— Chamam-se Littas. Estão espalhadas pelo mundo, por segurança, aguardando a hora de serem colocadas no Escudo. As suas totalizam cinco. Só você será capaz de tê-las e usá-las.

— Então quer dizer que eu tenho que aprender a usar o escudo para conseguir ser capaz de manejá-lo quando for aumentando a força dele com as tais littas?

—Não, pelo contrário. Você precisa das littas para que elas expandam a capacidade do Escudo para você. O Escudo é quem deve acompanhá-lo. Se essas chaves fossem colocadas e não fosse você a manejar a arma, ela continuaria nessa primeira forma. Uma parte da força está na arma, mas a outra, a maior e mais importante, está em quem a usa. Você é Guardião do Escudo.

— Certo... Você falou de “primeira forma”...isso quer dizer que ele vai mudar, fisicamente falando?

—Sim, ele irá se adequar a você de todas as maneiras. Agora, pode ir comigo lá fora?

— Tá. Mas o que foi?

— Espere.

Estel e Perseu apertaram os olhos diante da claridade do dia. O garoto voltou a admirar a paisagem a sua frente, antes que o cavaleiro lhe pedisse atenção.

—A partir de daqui, Estel, você segue sozinho. — anunciou Perseu.

— O que?! Agora você tá brincando! — rebateu Estel, indignado. — Acabei de falar que não sei nada sobre esse mundo, ou lutar, ou...

— Calma. Primeiro, olhe para seu escudo, concentre-se nele.

Estel fez mais uma vez o que o outro pedira, com raiva. Parecia que toda a conversa lá dentro não servira pra nada! Colocou os olhos sobre o escudo que reluzia a luz do dia. Era perfeito. Achou-se tão vidrado na estrela do centro, que tomou um susto quando uma linha de luz saiu de uma de suas pontas e se colocou da direção da floresta esmeralda como a seta de uma bússola.

— O que é isso? — indagou Estel, intrigado.

— O Escudo será seu guia. — explicou o cavaleiro. — Ele lhe dirá para onde deve ir. Ou você encontrará uma litta ou um dos outros dois Regidos. Indo nessa direção, você chegará à Floresta Elísia e, se continuar, a Espártaca. Lá,, encontrará alguém para ajudá-lo.

— Não é assim tão simples.

— Claro que é, se você quiser que seja.

— ...

— Você é corajoso, Estel. Decidiu ficar aqui no que na segurança do seu mundo, e eu o agradeço muito por isso. E sempre que puder, eu o ajudarei. Não vou dizer para não se preocupar ou não ter medo, esses sentimentos às vezes são necessários para nos deixarem alertas. Contudo, uma coisa você não deve sentir: desespero. Pois só sente isso, quem desistiu de procurar uma solução. “Para tudo existe uma solução, quando se tem uma cabeça pensante e um coração pulsante”, dizem as pessoas. Quando isso tudo terminar, você voltará para o seu mundo. Desejo boa sorte e cuide-se.

E sem dar tempo à réplica, Perseu desapareceu. Estel suspirou, sentindo-se perdido. Olhando novamente a paisagem, decidia se ficava ali para sempre esperando o Vigilante aparecer de novo, ou seguia com a cara e a tal coragem que tinha. Seguiu a segunda (na verdade única) opção. O garoto começou a descer as longas escadarias do templo, ladeadas por enormes colunas. A partir dali, era o mundo. Eternia.

Aquela seria uma estrada longa, penosa e ao mesmo tempo recompensadora. Era isso que Estel descobriria.

. . .

Breve Comentário

Antes de colocar o segundo capítulo, eu só queria fazer uma observação.

Eu estou usando Esperanto no livro. Para quem não conhece ela foi criada por Ludwik Lejer Zamenhof. A intenção dele era criar uma linguagem de fácil aprendizagem que servisse como lígua comum para o mundo todo (sem substituir, claro, as já existentes).

É algo que me interesso muito, contudo meu conhecimento é bem básico, coisa de dicionário e google.

Então, se algum estudioso aparecer aqui e disser que assassinei o Esperanto, primeiro, perdoe-me e, segundo, gostaria muito de ouvir sugestões e que criasse comigo algumas expressões e frases que preciso (ou me ajude a aprender a lígua de uma vez por todas).

Bem, era isso. Agora vem o segundo capítulo. E agradeço quem estiver acompanhando o blog.
Até mais!

terça-feira, 13 de julho de 2010

Coroas de Eternia - O Escudo, A Espada e O Cetro

Primeiro Escrito – O sonho

Sentia-se flutuando, caindo vagarosamente, até que seus pés tocaram o chão. Abriu os olhos. Encontrava-se num espaço negro sem nenhuma indicação de parede ou de chão de verdade. Olhava com agonia para os lados, mas não havia ninguém ali além de si mesmo. O mesmo lugar de sempre.

— Escuta com atenção. Você nasceu sob a proteção de Vésper, a Estrela de Eternia. Mesmo que te encontres na escuridão, ela será tua guia.

A frase, dita numa voz profunda e poderosa, assustou-o, e encheu-o por dentro, como quando se ouve algo num volume muito alto.

— Quem tá aí? — perguntou, ansioso. — Chega de ficar só falando, aparece! Toda vez é a mesma coisa!

— É um milagre, acredite, que você consiga ouvir a minha voz. Mas em breve você me verá. Breve para mim, que espero há muito tempo. Por hora, é preciso apenas que você reconheça seu caminho.

De repente, abaixo de seus pés saíram finíssimas linhas de luz branca que, percorrendo o espaço aberto, desenharam uma estrela estilizada de cinco pontas. Do centro dela saiu outra estrela, sendo essa de metal dourado com uma jóia verde e redonda no meio. Era magnífica, polida a tal ponto que se poderia jurar que uma mínima camada de água a cobria, e a jóia emanava uma aura intensa da mesma cor verde.

Sentiu uma vontade muito forte de tocá-la, era-lhe tão familiar. Parecia que a estrela era um objeto perdido que finalmente encontrava. Quando encostou sua mão, um calor, familiar também, percorreu todo seu corpo. Não precisaria mais sentir aquela falta, o que era seu, retornava. A voz voltou a lhe falar:

— A hora de você vir até nós está chegando. Que a Profecia se cumpra finalmente. Ŝirmilo þildo.
No escritos foi gravado. Regido de Vésper, evite o fim de tudo. Que a Profecia se cumpra.

Ele ouvia, contudo mais uma vez nada entendia. A voz sumiu. A estrela tornou-se um pequeno ponto de luz verde que entrou em sua mão esquerda. Depois disso, tudo girou. Imagens inundaram sua cabeça: pessoas guerreando, um homem segurando uma coroa branca, um coroa negra se partindo, uma paisagem bela se tornando cinzas, três pessoas com asas ajoelhando-se em reverência, uma mulher esperando num porto de pedra, e no fim, olhos amarelo-dourados abrindo-se no escuro dando forma a alguma coisa que ele não conseguiu ver, porque foi engolido por ela.

Acordou.


Estel teve que acreditar no que acontecia, pois as pessoas ao redor dele faziam parte da sua realidade. Estava parado no meio do corredor do colégio, com as faces brancas e suadas, a mão esquerda estendida para o nada. E para piorar, além disso, a julgar pela cara dos outros alunos, tinha certeza que segundo atrás gritara um desesperado “não!”.

As expressões variavam desde a careta de susto aos risinhos de zombaria. De certa forma ele já estava, contra sua vontade, acostumado com isso. Como em todas as outras vezes, Estel tinha de dar um jeito de sair daquela situação. O sinal da aula deu-lhe uma súbita e estúpida idéia.

— É...é, Edu, parece que eu perdi a aposta que NÓS fizemos! – disse, com a voz um tanto trêmula, a qual disfarçou com uma risada insossa. — Não consegui chegar ao bebedouro com os olhos fechados, antes de o sinal tocar!
Um dos garotos da multidão, na mesma imobilidade assustada que Estel, levantou-se dum pulo do banco em que estava e falou:

— OH! É...é verdade! Hehehe! Bem que eu te avisei! Parece que eu garanti o rango de hoje! A Bia está de prova, não é?! Não é, Bia?!

— Cla, cla, claro!! — respondeu uma garota, pulando também do assento. — Mas já tocou o sinal, vamos para a aula, vamos!
E saiu puxando os outros dois por entre alunos ainda imóveis. Na sala de aula, Estel jogou-se numa carteira e enterrou a cabeça entre os braços. O que ele não faria para que a terra o engolisse, e mastigasse, naquele momento... Os outros dois sentaram-se ao seu lado.

— Ei, cara, você tá bem? — indagou o primeiro. — O que diabos foi aquilo?!

— Ora, o que foi aquilo?! — respondeu Estel, com mais raiva do que pretendia, sem levantar a cabeça. — O de sempre, né, Eduardo?! Acho que vou seguir o conselho do Caio, vou para um hospício...

— Não é hora para brincadeiras, Estel! — brigou a segunda, dando uma tapa da mesa da carteira. — Você estava branco como um fantasma, fazia caretas de dor! As outras vezes nunca foram tão fortes assim, não faziam você agir como um sonâmbulo! Nós chamamos por você antes de sair andando, mas você não acordava! Você...tá chorando?

— Claro que não, Bianca! — exclamou Estel, levantando a cabeça tão rápido que deu um jeito no pescoço. — É que eu estou um pouco tonto, toda vez que isso acontece fico assim... Foi bizarro!

— E o que você viu dessa vez? — questionou Eduardo. — Aquelas imagens doidas de novo?

— Não, dessa vez tudo teve “sentido”, e foi tão real que cheguei a pensar que não estava sonhando...que de algum modo eu tinha ido parar naquele lugar. — comentou o outro. — Não que o “sentido” dessa vez me fez entender alguma coisa...mas era como se eu sempre estivesse esperando por aquilo lá.... Vocês querem saber o que é, né?

E vendo a afirmação de boca aberta que os amigos faziam, Estel relatou o sonho que tivera mais real desde os oito anos de idade. Ele sabia que era o mesmo sonho, só que sem interferências nem cortes, todos os outros haviam sido um amontoado de imagens sem sentido e palavras soltas.

Porém, não era somente isso de estranho que havia e acontecia com Estel. A primeira dessas coisas, e a mais constrangedora, eram seus olhos. De um amarelo-ouro tão forte como os de um gato, difícil de não se notar mesmo de longe; nem lentes de contato coloridas nem óculos escuros resolviam, o amarelo saltava facilmente. A segunda, a mais estranha, era que em alguns momentos suas mãos cobriam-se de um fino véu de luz verde (felizmente essa nunca havia acontecido em lugares públicos) e sumia tão rapidamente quanto vinha. A terceira, a mais incompreensível, eram os sonhos, principalmente porque eles vinham ao menor cochilo de Estel, e geralmente ocorriam quando havia muitas pessoas por perto para vê-lo se contorcer e falar coisas estranhas. A última, a mais irritante, era o seu nome: Estel Elecktrion. Todos que o ouviam se interessavam em perguntar de onde ele vinha (ou se não era nome de mulher), de que país, de que família, e era isso que irritava, pois toda vez Estel inventava uma história diferente dependendo da profundidade das perguntas. E por que ele não falava a verdade? Porque ele simplesmente não sabia. O único parente que Estel possuía era a mãe, e ela fazia questão de mudar de assunto quando se perguntava sobre “família”.

Todas essas coisas o faziam um mutante frente às pessoas. Lembrava que, nas escolas que entrara, tivera de provar que não era doente, por causa dos olhos, e nem louco, por conta dos sonhos e “ataques” que tinha durante o sono. Quantas vezes sua mãe já não fora convidada a levar o filho pequeno ao psicólogo, por conta da imaginação fértil demais dele?

Achava um milagre que conseguira segurar dois amigos por três anos. Considerava Bianca e Eduardo heróis, pois conseguiam conviver com os olhares tortos para Estel, o que conseqüentemente os faziam doidos também. Com eles a vida era ligeiramente mais normal.

— É, definitivamente, esse foi o sonho mais doido que você já teve. — comentou Eduardo, bagunçando os cabelos encaracolados e arregalando os olhos verdes já redondos demais. — Faz sentido, mas ao mesmo tempo, não faz sentido algum.

— Estel, tem certeza de que não assistiu a nenhum filme ontem à noite, sei lá, leu um livro ou coisa do tipo? — indagou Bianca, nem um pouco segura da própria suposição.

— Acho que eu nem preciso responder, certo? — respondeu Estel, dando a sua segunda risada insossa do dia. — Bem que eu queria que tivesse sido isso. Foi como se finalmente todas as partes de um vídeo tivessem se encaixado. Todos os sonhos que eu tenho, são esse. Não que isso ajude muito, mas melhor do que ficar vendo coisas borradas.

— Você...é...não quer ir para a enfermaria? — perguntou a amiga, tão segura quanto da primeira vez, balançando para um lado e para outro a cabeça coberta por longo cabelos castanhos. Seus olhos escuros estavam fixos nas mãos. — Por causa do mal-estar que você estava sentindo, é isso!

Estel sentiu uma pontada de decepção com a sugestão de Bia. Sabia que não era por conta do mal estar...Bia não conseguia esconder suas reais intenções.

— Bom-dia, pessoal. — anunciou o professor, entrando na sala.

— Deixa pra depois, a aula vai começar. — disse Estel, numa frieza perceptível na voz baixa, dando as costas para a garota.

Porém ele não ficou muito tempo com a cabeça erguida. Quando se deu conta que seria aula de biologia, fingiu rapidamente cair em sono profundo. O professor adorava dá-lo como exemplo de qualquer coisa e, muitas vezes, perguntava que tipo de mutação genética havia ocorrido para que ele nascesse com aqueles olhos. Fazendo todos pensarem que estava dormindo, metia medo, ninguém queria atrair para si o maluco, agora sonâmbulo. Em algumas vezes isso chegou a ser engraçado, mas agora o fazia sentir-se mais mutante do que nunca.

Se Bia o estava mandando para a enfermaria, era porque estava começando a achar, como todos os outros, que ele era ou estava doente. Tudo bem, admite-se, os sonhos e os olhos não eram nada normais, porém, tirando isso, Estel era saudável como qualquer garoto de 17 anos deveria ser. Se os sonhos não possuíam explicação, porque não fazer um esforço e deixar eles para lá, como ele mesmo havia tentando fazer por toda a vida? Mas parece que, pelo menos para ela, isso era impossível...e isso incomodava. Estel gostava de Bianca mais do que se gostava de uma amiga.

Afundou a cabeça ainda mais entre os braços, fazendo os cabelos curtos muito negros e lisos caírem sobre os olhos.

— “Pelo menos isso eu posso dizer que tenho de normal.” — pensou Estel, nem um pouco firme no que pensara, achava que os cabelos eram lisos demais. E achava também, que além de mutante e louco, estava ficando neurótico.

. . .

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Oi!

Para quem estiver nesse blog agora, tanto conhecido como não, queria compartilhar umas das minha idéias. Esse livro, Coroas de Eternia, começou a nascer (pelo menos a idéia dele) há 3 anos, mais ou menos; mas passar para o papel faz 1 ano apenas. E "passar para o papel" no sentido de jogar tudo que andei pensando nesse tempo em um caderno. Quem acompanhar os desenrolar dos capítulos aqui pode encontrar erros que na minha empolgação eu não vi. Por isso a decisão de coloca-lo "incompleto", preciso e gosto de ouvir opiniões, sugestões e até reclamações sobre o que faço.

Para alguns vai ser bem fácil saber as referências que tive para construir esse mundo. E não nego que peguei, fiz uma mistureba de tudo que já vi e gostei, e transformei nessa história.

O tema geral dela é responsabilidade. De como se pode saber a diferença do que você "precisa fazer", "tem que fazer" e o que "gostaria de fazer"; e de como essas decisões influenciam você e os outros.

Calma, não precisa fazer careta, não pretendo ser tão filosófica ao ponto de ser chata. Tentarei deixar ela o mais divertida, séria, atrativa, romântica, aterrorizante, agoniante e etc. o possível. E espero que você goste (ou não).

Segue agora o primeiro capítulo.
Até mais!